Foi a pergunta que me veio quando me dispus a escrever as primeiras linhas no dia, após as bençãos de um almoço generoso.
Agradecer pelo alimento, um costume habitual entre as/es/os mais velhas/es/os, vem fazendo cada vez mais sentido por aqui. Talvez seja apenas o sintoma (que ganha ares luxuosos diante das nossas perdas) de se envelhecer nesse território. Ou, ainda, a constatação da proximidade de fantasmas que pareciam inofensivos para uma grande parcela da nossa geração – como aqueles da insegurança alimentar e da fome, apesar de povoarem invariavelmente os relatos ouvidos dentro de casa pelas/es/os que vieram antes.
Nos atentemos. Que as conjunturas não sejam interpretadas como infortúnios ou fatalidades, na medida em que estamos lidando com um cenário múltiplo de precarizações projetadas, estruturais e criminosas. Pois há quem se beneficie, quem tire proveito, quem tenha conforto e quem, por fim, goze das seguranças.
Quando partilhamos de situações que são insustentáveis (para si, para as/es/os suas/eus, com as/es/os suas/eus e para toda uma população a qual pertence) debates acerca da sustentabilidade se fragilizam se não entendidas as urgências do que nos oferece sustento, uma base, um chão, sustentação. Talvez por isso, ao longo desses últimos anos, comecei a conceber pesquisa como sendo as buscas por caminhos que nos ofereçam dignidades.
Certamente essa elaboração ecoa uma pergunta que (além de ter proporcionado alguma organização das angústias) vem me guiando desde 2018 em diferentes territórios: Como produzir vida? Tal questionamento me pareceu tão central que se tornou o único texto a ocupar repetidamente uma das páginas da minha dissertação de mestrado2 em programa voltado para os estudos das artes contemporâneas. Na ocasião, nenhum outro texto se fazia possível, pois não seria contemplador das emergências que atravessávamos. Nesse gesto de escrita, o que por fim se ajustou na página foi um fragmento da pergunta inicial formando Com?, uma derivação que, logicamente, não chega de forma gratuita e acrescenta camada de complexidade com o capricho de se apresentar como mais uma questão que se soma à roda3.