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O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e o neoconcretismo

16.03.2023

por Elizabeth Catoia Varela

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Olhar o SDJB e suas soluções gráficas é ver princípios propostos pela arte concreta e neoconcreta vivenciada no Brasil atuando diretamente no mundo real, visto que o jornal está atrelado a uma função, é veículo de informação.

O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), publicado de 1956 a 1961, no Rio de Janeiro, foi um caderno do Jornal do Brasil que se dedicou às manifestações culturais de sua época. Especificamente nas artes visuais, ele difundiu e debateu o concretismo e, principalmente, o neoconcretismo. Os suplementos culturais tinham função relevante no cenário artístico da década de 1950, no Brasil, em relação ao debate crítico do período. O SDJB se destacou principalmente por sua diagramação, que foi sendo modificada semanalmente, já em seus anos iniciais. Como resultado, seus mais variados layouts relacionam-se com o próprio neoconcretismo.

O jornalista e poeta Reynaldo Jardim (1926-2011) era responsável pelo programa de rádio Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Convidado a publicar uma coluna intitulada “Literatura Contemporânea” no jornal impresso, buscou cada vez mais espaço até tornar-se um suplemento cultural, homônimo ao programa de rádio. A primeira publicação do SDJB foi em 3 de junho de 1956. Em dezembro deste ano, ocorreria a I Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo, tendo itinerado para o Rio de Janeiro, em fevereiro de 1957.1.

Apesar de ser relembrado em abordagens voltadas para as artes visuais e literatura, o SDJB dedicava-se também à dança, teatro, música, filosofia, cinema, artes gráficas e arquitetura e urbanismo. Era comum que outros suplementos comentassem ou respondessem aos artigos do SDJB nos dias subsequentes. Às réplicas seguiam-se tréplicas e o espaço destinado a essa discussão de ideias entre suplementos e seus autores era a coluna intitulada “Tabela”. Essa coluna estreou na edição de 19 de outubro de 1958. Sua primeira aparição foi assinada por J. F., que remete ao jornalista Janio de Freitas (1932-). Janio atuava na redação do Jornal do Brasil, quando, em fins de 1958, foi direcionado para o caderno de Esportes. No ano seguinte, tornar-se-ia chefe de redação do JB e seria o responsável pela reforma gráfica do jornal.

Portada del SDJB del 21 de marzo de 1959. Foto: Elizabeth C. Varela. Archivo particular de Reynaldo Jardim.

Ferreira Gullar (1930-2016) atuava como chefe de copydesk do JB e também escrevia para o SDJB desde outubro de 1956. Inicialmente, ele assinava a página de artes plásticas junto com Oliveira Bastos, até tornar-se o responsável por ela. Gullar foi demitido do jornal em setembro de 1958 e recontratado em março de 1959, quando voltou a trabalhar apenas no SDJB.2. Durante esse período de “afastamento”, Gullar foi convidado por Jardim, editor do SDJB, a colaborar no suplemento redigindo a Tabela, porém não assinando sua produção.

A mudança na diagramação

Naquela época, os jornais eram visualmente bastante poluídos, utilizava-se “fios” para separar colunas e emoldurar matérias. O Jornal do Brasil (JB), especificamente, era conhecido por ser um jornal de anúncios. No período inicial de publicação, em 1956, o título “suplemento dominical” era impresso em letra cursiva e “JORNAL DO BRASIL” era todo em caixa alta, na cor branca sobre realce do fundo em preto. Os artigos eram separados uns dos outros, emoldurados por fios. A mudança na diagramação do SDJB se intensificou em 1957, quando em 23 de junho, toda a edição do suplemento já não utilizava fios, com exceção da página seis, que tinha uma diagramação padronizada.

Em 29 de junho de 1958, ocorreu a primeira mudança na tipologia utilizada no título, abandonando-se o uso da letra cursiva: “suplemento dominical” era reproduzido em caixa baixa e negrito, e “JORNAL DO BRASIL”, em caixa alta, porém em tamanho menor. A diagramação do SDJB, nesta data, já estava bastante refinada, pois vinha sendo alterada semanalmente desde 1957. Em 6 de fevereiro de 1960, o título impresso no suplemento passou a ser as suas próprias iniciais, em caixa baixa – sdjb.

Uma de suas marcas principais são as cinco colunas de texto na página, com alinhamento justificado e a última linha do parágrafo alinhada à direita. Os títulos eram dispostos em posição horizontal ou vertical. Na horizontal, podiam ocupar uma página ou toda a extensão de uma página dupla. Esta última opção fazia com que o leitor do jornal, habituado a ler uma folha vertical, se deparasse com uma composição horizontalizada.3 E, por fim, o uso de espaços vazios, que permitia ao leitor ver a própria folha do jornal, não mais como fundo ou apenas como suporte, mas como presença. Os espaços vazios deixados conscientemente na página, contrapondo-se com os espaços cheios, que eram formados pelas colunas de textos, títulos e imagens, davam ao SDJB uma diagramação especial, diferente do restante do jornal.

Consciente desses elementos, Jardim diagramava o jornal, fazendo diversas composições geométricas. Ele aproximava-se do uso do branco, preto e tons de cinza, por meio de espaços vazios, imagens P&B e blocos de texto. Olhar o SDJB e suas soluções gráficas é ver princípios propostos pela arte concreta e neoconcreta vivenciada no Brasil atuando diretamente no mundo real, visto que o jornal está atrelado a uma função, é veículo de informação.

Em 23 de junho de 1957, a capa do SDJB reproduziu em caixa alta o título “Cisão no movimento da poesia concreta” e, logo abaixo, dois textos: “Poesia concreta: experiência intuitiva”, assinado por Ferreira Gullar, Oliveira Bastos e Reynaldo Jardim, e, ao lado direito, “Da fenomenologia da composição a matemática da composição”, com autoria de Haroldo de Campos. O texto Gullar, Jardim e Bastos defendia o poema concreto como “experiência cotidiana, afetiva, intuitiva”. Ainda nesta edição, uma enquete realizada por Teresa Trota, intitulada “Alfredo Volpi na berlinda”, publicou a opinião de artistas e críticos sobre a obra desse pintor. O resultado dessa cisão seria, mais tarde, a reunião de alguns artistas sob o nome de um novo movimento, o neoconcretismo.

A divulgação da I Exposição neoconcreta

O SDJB deu ampla divulgação ao movimento concreto no Brasil, publicou textos sobre as vanguardas abstrato-geométricas europeias e, por fim, difundiu o neoconcretismo. A capa da edição de 21 de março de 1959 não trazia nenhum artigo e funcionava mais como um cartaz que anunciava a exposição inaugurada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, do que como página de um jornal propriamente.5 A palavra “EXPERIÊNCIA” aparece na horizontal, ao centro da altura da página e “NEO CONCRETA” na vertical, alinhada à margem direita da folha. Em tamanho menor e com menos destaque estava o nome dos participantes, o local e o período de exposição.6 Fizeram parte da I Exposição Neoconcreta quatro artistas – Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark e Lygia Pape – e três poetas – Ferreira Gullar, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Gullar, à época atuava como poeta, artista plástico e teórico do grupo. Ou seja, três membros do grupo neoconcreto trabalhavam no Jornal do Brasil.

Amilcar de Castro (1920-2002), que tinha atuado como diagramador do JB, junto a Waldir Figueiredo, saiu do jornal pouco tempo após a saída de Gullar, em fins de 1958. No ano seguinte, colaborou por menos de dois meses na diagramação do SDJB. Até este momento, quem diagramava o SDJB era Reynaldo Jardim, seu editor. Segundo Janio de Freitas, quando a diagramação criada por Amilcar não fechava, Reynaldo mudava seus desenhos diretamente na oficina.7

Esta edição também divulgou o Balé Neoconcreto, uma apresentação composta por um quadrado e um retângulo em movimento ortogonal pelo palco ao som de uma música neoconcreta. Os autores do Balé eram Reynaldo Jardim e Lygia Pape. O autor da música que acompanhava o espetáculo era Gabriel Artusi, um jovem compositor e pianista, nascido em Gênova. Uma entrevista com ele havia sido publicada na página seis.8 Décadas depois, Jardim, declarou em entrevista que Gabriel Artusi não existia: que ele mesmo compôs a música e criou a figura do compositor italiano, publicando a entrevista a fim de validar sua existência.9

O SDJB publicou algumas matérias assinadas por pseudônimos. Assis Brasil (1929-2021), em uma entrevista em 2009, informou que Teresa Trota era um pseudônimo coletivo utilizado no Suplemento.10 Ao ser questionado, o jornalista Janio de Freitas disse não se recordar do nome Teresa Trota, contudo confirmou que pseudônimos eram utilizados e que já havia publicado sob o nome de Forjaz Forjan.

Portada del SDJB del 19 de septiembre de 1959. Foto: Elizabeth C. Varela. Archivo particular de Reynaldo Jardim.

A edição do SDJB de 19 de setembro de 1959 foi dedicada ao Congresso Internacional Extraordinário da Associação Internacional de Críticos de Arte – AICA, sob o tema de “A cidade nova, síntese das artes”. A capa dessa edição fazia referência ao Plano Diretor de Brasília, que seria a futura capital do país. Ela é uma composição entre o Bilhete do editor na vertical (uma única coluna de texto centralizada na página), cortada ortogonalmente por uma fotografia do Palácio do Planalto. Nos quatro espaços vazios, repetiu-se as palavras que compunham o título do congresso: “a cidade nova”. Observando essa capa podemos dizer que o Suplemento acompanhava a cena cultural em seu conteúdo e também na sua forma.

Em 17 de janeiro de 1959, o SDJB passou a circular aos sábados.11 Inicialmente, ele possuía 12 páginas, quando, em dezembro de 1957, passou a ter oito, e se manteve com esse formato até 26 de maio de 1961. Nesta data, foi alterado para o formato tablóide e, em 23 de dezembro de 1961, foi publicada sua última edição, sem nenhum informe a respeito do encerramento.

Os textos teóricos de Gullar descrevem o interesse do neoconcretismo em conceber obras que se potencializassem em contato com o indivíduo, que criassem relações espaço-temporais e que abordassem a questão arte e vida. O jornal é um objeto utilitário, contudo o cuidado estético com que o SDJB era criado e o seu valor artístico são inegáveis.

“Eu só sei editar diagramando. Qualquer coisa que eu vou editar, pego o papel em branco e desenho. (...). Na época do Suplemento, eu desenhava as páginas e ia para a oficina executar com os operários”,

disse Reynaldo Jardim, em entrevista, em 2008. [12]

Os elementos que compunham o layout eram como blocos quadrados e retângulos, dispostos na horizontal ou vertical, que ao serem ordenados, serviam para estruturar a página. Esses mesmos elementos eram reordenados assimetricamente a cada semana e essa experimentação contínua, típica do neoconcretismo, gerava novas páginas.

Na diagramação do SDJB, Jardim lidou com duas questões importantes para o neoconcretismo: figura x fundo e arte x vida. A obra não seria representada frente a um espaço ilusório: ela estaria inserida no mundo real do leitor. Na realidade planar da pintura, o fundo não seria algo secundário: ele seria transformado em presença ativa. O vazio estaria cheio de espaço e, também, de tempo, pois a vivência do indivíduo com a obra se daria no tempo real de interação com a mesma.

Ao trazer para a página do SDJB suas intenções artísticas, a experimentação contínua de seu desenho, a estruturação da página, ordenando e reordenando os mesmos elementos que ele possuía para construí-la, Jardim difundiu na cena local sua criação. Essa síntese construtiva que culminava na diagramação de um objeto utilitário e o carregava de valor artístico possibilitou aos neoconcretos difundirem a arte na vida cotidiana.