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Arte e educação na Exposição ‘PretAtitude: Emergência, Insurgências, Afirmações’

06.07.2023

por Marcio Farias

O objetivo deste texto é apresentar uma revisão crítica do processo de assessoria educativa para a Exposição PretAtitude: Emergências, Insurgências, Afirmações [...] a partir da Arte Afro Brasileira Contemporânea, sobre temas como memória, identidades e ancestralidade. O papel da assessoria foi o de munir a equipe educativa [...] dos mais variados conteúdos teóricos e práticos para que pudessem desenvolver suas ações educativas com o maior repertório possível.

Nas últimas décadas os museus vêm se reelaborando, mundo afora, de maneira a questionar as bases de seus acervos, os conceitos que orientam as exposições, a comunicação social, o papel dos educativos, o público atendido etc. Essas mudanças acompanham não só as tendências e conflitos no campo da arte e cultura contemporâneas, mas também a emergência de novas questões sociais, ou mesmo velhas questões que agora passam a ter força política e que incidem no cotidiano dessas instituições, como os debates sobre identidades, gênero e raça. Assim sendo, os postulados de uma instituição elitista, potencialmente colonial e organizada em sua origem a partir de referenciais e símbolos escolhidos por uma elite e seus intelectuais orgânicos – sobretudo levando se em conta uma sociedade de matriz colonial e essencialmente desigual como à brasileira - passam por um giro de 360º, qualificando uma efetiva discussão sobre o papel social e político dos museus. Essas novas veredas representam uma disputa no campo simbólico pelos sentidos e significados da história, da arte e da cultura.

Nesse sentido, o objetivo deste texto é apresentar uma revisão crítica do processo de assessoria educativa para a Exposição PretAtitude: Emergências, Insurgências, Afirmações no Sesc São Carlos. Com curadoria de Claudinei Roberto da Silva, a exposição versou, a partir da Arte Afro Brasileira Contemporânea, sobre temas como memória, identidades e ancestralidade. O papel da assessoria foi o de munir a equipe educativa (estagiárias e arte educadores) dos mais variados conteúdos teóricos e práticos para que pudessem desenvolver suas ações educativas com o maior repertório possível. Ou seja, o desafio inicial era de trabalhar a proposta curatorial, aquilo que a exposição suscitou a partir do seu acervo e os desdobramentos possíveis para se atender um público variado que visitaria a exposição.

Marcio Marianno: "100% Algodón" (2017). Tríptico de óleo sobre tela. Cortesía: Marcio Marianno.

Exposição PretAtitude: Emergências, Insurgências, Afirmações: curadoria em uma perspectiva crítica

Inaugurada em fevereiro de 2018, no Sesc Ribeirão Preto1, a exposição PretAtitude: Insurgências, emergências e afirmações na arte afro-brasileira contemporânea, teve ainda mais quatro montagens nas unidades do Sesc do estado de São Paulo: São Carlos, Santos, Vila Mariana2 (São Paulo, Capital) e São José do Rio Preto3. Ao todo, foram 5 montagens, ao longo de três anos.

Ao longo desse processo, a mostra reuniu obras de mais de 20 artistas negras e negros brasileiros de diferentes gerações, consagrados e emergentes no circuito de arte do país e internacionalmente. Nomes como o de Aline Motta, André Ricardo, Betto Souza, Erick “CK” Martinelli, Eneida Sanches, Janaina Barros, Juliana dos Santos, Laércio, Lidia Lisboa, Luiz 83, Marcelo D'Salete, Marcio Marianno, No Martins, Peter de Brito, Rosana Paulino, Santídio Pereira, Sérgio Adriano, Sidney Amaral, Wagner Celestino e Washington Silveira, entre outras e outros, compuseram a exposição. Os suportes materiais utilizados por esses artísticas em suas obras são diversos, como fotografia, desenho, pintura, gravura, escultura e novela gráfica.

Vista de Sala: "PretAtitude: Emergencias, Insurgencias y Afirmaciones".

A Exposição PretAtitude foi idealizada e montada pelo artista plástico e educador Claudinei Roberto da Silva, nascido no ano de 1963 na cidade de São Paulo, onde atualmente vive e trabalha. Claudinei Roberto estudou Artes Visuais pelo Departamento de Arte da Universidade de São Paulo. Como curador realizou entre outras, a exposição Sidney Amaral “O Banzo, o amor e a Cozinha” 1º prêmio Funarte para artistas e curadores negros – Museu Afro Brasil, a “13ª Bienal Naïfs do Brasil” no Sesc Piracicaba, autuo também como curador convidado para o projeto de “Pesquisa MAC USP Processos Curatoriais – Curadoria Crítica e Estudos Decoloniais em Artes Visuais: Diásporas Africanas nas Américas”. Como arte educador, coordenou, entre outros, o Núcleo Educativo do Museu Afro Brasil. Por essa instituição foi o Coordenador Artístico Pedagógico do projeto A Journey Through African Diaspora do American Alliance of Museums em parceria com o Museu Afro Brasil e Prince George’s African American Museum. Além disso, faz parte do conselho curatorial do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Como artista, tem obras no acervo do Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira MUNCAB em Salvador, Bahia.

Essa experiência artística e educacional precedente a exposição qualificou a proposta curatorial de Claudinei Roberto para a PretAtitude, em especial o seu trabalho no Museu Afro Brasil. A hipótese aqui apresentada é de que há uma influência do trato curatorial de Emanoel Araújo- idealizador e curador do Museu Afro Brasil - com quem Claudinei Roberto trabalhou diretamente. Isto porque Emanoel Araújo é nome decisivo da história da arte no Brasil, pois, a partir do seu trabalho curatorial e de pesquisa, consagrou uma releitura da história artística brasileira. Para tanto, mobilizou o conceito de mão afro brasileira pela qual entende a contribuição afro brasileira no fazer artístico no país, a partir de um amplo e preciso panorama da participação dos afrodescendentes na arte brasileira da colônia aos dias atuais4. Claudinei, se valendo dessa análise e conceito, trabalhou a ênfase na produção afrodescendente contemporânea, atualizando o conceito de mão afrobrasileira.

Talvez por isso, a exposição conseguiu mobilizar a sociedade civil e a comunidade artística, gerando questões para a crítica de arte especializada. Um dos textos de maior relevância na fortuna crítica sobre a exposição, foi a resenha de Tadeu Chiarelli, publicada na Revista Arte!Brasileiros. A resenha trouxe aspectos importantes sobre a curadoria de Claudinei Roberto, como por exemplo o fato de “PretaAtitude superar qualquer problema expográfico, na medida em que consegue com sucesso levar a cabo seu principal objetivo: marcar a profunda diversidade de caminhos que hoje em São Paulo apresenta a produção afrodescendente (a maioria dos artistas representados nasceu ou vive na cidade ou no estado)”5.

Elaboração do Programa Educativo, definindo a linha conceitual e prática, bem como suas ações estruturantes

A partir de um estudo geral sobre o conteúdo da exposição, executou-se uma formação precedente a abertura da exposição para a equipe educativa, com o intuito de alinhavar conceitos gerais do trabalho educativo, tais como mediação, leitura de imagens e de obras e ação educativa em exposições de arte. Por outro lado, apresentou-se conteúdos mais gerais para a equipe como concepção curatorial e expografia alinhando-as aos marcos de debate sobre relações raciais, arte africana e afrobrasileira, exposições clássicas sobre o tema, etc.

Por isso, no campo do trabalho educativo, abordou-se conteúdos como a abordagem triangular nos ensinos das artes e culturas visuais, tal como proposto pela professora Ana Mae Barbosa;6 educação como prática de liberdade, seguindo as trilhas do filósofo Paulo Freire7; o conceito de educativo no Museu Afro Brasil, assim discutido pela educadora Ana Lucia Lopes8; Já na parte de discussão sobre o tema da arte afro-brasileira, o debate exposto foi permeado pelas reflexões de Manuel Carneiro da Cunhae9 Emanoel Araújo10.

Partindo de um estudo mais detido sobre os artistas, obras e acervo procurou-se sugerir à equipe um conjunto de “linhas poéticas” possíveis para estabelecer recursos pedagógicos ao longo da exposição, levando se em conta demandas do público, tais como faixa etária e/ou marcadores sociais de desigualdade (raça, classe, gênero, etc.), bem como demandas mais especificas como, por exemplo, conteúdo desenvolvido em sala de aula que dialoga com elementos do acervo da exposição. Nesta etapa, pressupôs-se uma integração entre o conjunto de discussões prévias em articulação com o manejo no atendimento ao público. Para tanto, recursos como exercícios elaborado pelo próprio assessor foram os instrumentos de trabalho. Em um deles, propôs se que, a partir dos materiais selecionados de uma antologia de textos de apoio escolhidos pelo assessor, seguido de uma visita à exposição, o educador deveria escolher duas obras/dois artistas que, para ele , possuíam um diálogo entre si (visual, formal, conceitual); Depois da escolha, o educador deveria fazer um exercício de descrição das obras; Em seguida, ler alguns dos textos indicados no material de apoio, para, depois , estabelecer quais relações eram possíveis de serem estabelecidas entre as questões levantadas pelos textos e as obras por ele escolhidas? Por quê? Por fim, a partir da leitura dos textos e da descrição das obras feita previamente, pedia-se ao educador que construísse uma linha narrativa que proponha uma leitura das obras.

No decorrer da exposição, conforme surgiam necessidades de elaborações de roteiros, oficinas e outras ações educativas por conta de solicitações dos grupos que visitariam a exposição, acompanhou-se o trabalho de construção, por parte da equipe educativa, dessas atividades. Assim sendo, roteiros temáticos e oficinas que se relacionassem a temas, como o debate de gênero ou datas como o Dia da Consciência Negra pressupunham acompanhamento, problematização e avaliação dessas propostas.

Como extensão da formação prévia, a formação continuada efetivou se como espaço de prosseguimento de acesso, por parte da assessoria para a equipe educativa, de temas pertinentes à atuação educativa em exposições de arte. Temas como o da acessibilidade em espaços culturais foi privilegiado. Além disso, temas específicos que eram suporte para a atuação do educativo na exposição também foram abordados, como por exemplo, a historiografia da escravidão no Brasil e nos Estados Unidos.

No que diz respeito ao acompanhamento da equipe, reuniões periódicas foi o espaço de escuta e acolhimento das situações cotidianas de uma exposição em que o marco é o tema das relações raciais que no Brasil tem se revelado cada vez mais um campo de conflitos, portanto, exigindo maiores mediações.

Considerações finais

Das disposições finais, apresentar-se-á os aspectos gerais do processo de assessoria a partir de um eixo argumentativo de referência. Este, diz respeito a uma fala do curador da exposição sobre as disposições gerais que caracterizam a PretAtitude: Emergências, Insurgências, Afirmações e, nesta direção, quais são os predicados desejáveis para profissionais atuarem com um comprometimento ético-político em referência aos marcos que sustentam essa proposta. Para ele, a exposição exige do educador não apenas um conhecimento sobre os cânones da arte contemporânea, mas um profundo conhecimento em áreas do saber muito distintas e diversas, como história, geografia, filosofia, política e artes.

Ao traduzir essa afirmação, o seu correspondente histórico diz respeito ao tema das relações raciais no Brasil, suas origens e metamorfoses, amplitude e facticidade. Assim, a arte afrobrasileira contemporânea é determinada em última instância pelo racismo estrutural e institucional, fenômenos indistinguíveis da história do país. Nesse sentido, ao analisarmos a função social da arte no Brasil, é possível avaliar o quanto os artistas dessa região, em vários períodos, por meio de sua arte, contribuíram para a melhor compreensão das características da sociedade, com proposições estéticas e analíticas, que muitas vezes foram superiores às contribuições das ciências sociais sobre a mesma matéria. Nesse sentido, a polissemia da forma deu margem à conteúdos negligenciados pelos intérpretes nacionais. A função social da arte aqui não foi somente a de elevar a espiritualidade dos seus, possibilitando a catarse do público ou seu estranhamento. Também foi sua função produzir identidade, reconhecimento e vir a ser. Este foi o papel social da mostra PretAtitude: contribuir não só para desvelar o racismo no Brasil, mas para apontar para possibilidades.

Pudera, em tendo menos de duas décadas de existência da lei que tornou obrigatório o Ensino da História da África, da cultura afro-brasileira e indígena, carece-se, enquanto povo brasileiro, de maiores informações sobre tal tema. Desta forma, uma exposição lastreada pelo conteúdo da marca afrobrasileira na formação histórica e plástica do país, cumpre papel revelador, em termos de determinações sociais mais amplas, mas também educador, na medida que abre um campo de possibilidade não só ao visitante, mas ao país como um todo.

Assim, a assessoria educativa buscou, em suma, viabilizar os mais elementares traços de uma ação pedagógica ética e comprometida: voltar às raízes e devolver ao povo em forma de arte. Sem estética não há ética, sem ética não há projeção possível.